1 de nov. de 2016

“70 vezes 7” – Drika Duarte e o percurso belo e solitário do perdão




Janilson Sales de Carvalho

Tem uma frase de Miguel de Unamuno que teimo em repetir: “Não digo filósofos metidos a poetas, porque poeta e filósofo são irmãos gêmeos, se é que não são a mesma coisa”. O filósofo mergulha em suas reflexões nos conduzindo a conceitos e compreensões em longas jornadas mentais. Alguns percursos são exaustivos. O poeta anda com um canivete no bolso ou uma pedra pontuda. Rapidamente,  rasga a lona ou quebra a vidraça. Depois parte, nos deixando atônitos ou desmoronados diante do que nos revela.
Foi assim que me senti ao ler os poemas de “70 vezes 7” de Drika Duarte. Ela não coloca títulos, optando por algarismos romanos.  Assim, é o verso que nos exige o olhar e o belo sofrimento da descoberta. Seguimos guiados pelas palavras da poetisa, confiantes, até o abismo celestial. A utilização do número também nos remete ao tema bíblico do perdão evocado no nome da obra. O perdão é um dilema humano. Talvez algo que só aconteça com as mães, como no poema II:

Turva-se a noite amargurada
Quando a flor, ventre de sementeira,
Racha e seca como terra desfolhada,
Chora e sofre lágrimas de poeira.

Turvam-se os dias em noites derradeiras
E os maternos olhares sem itinerários
Perdem-se nas noites dos dias solitários...

O poema XXXVIII, entre tantos, também inquieta a alma ao abordar a velhice. Nesses dias frenéticos onde impera a distância física entre os seres e uma comunicação vazia de afetos, o velho passou a ser o último continente lembrado. Para alguns, o último empecilho ao céu material de bens e serviços. Ironicamente, alguns tolos acham que os velhos não sabem disso. A poesia revela esse engano. 

Um dia a pele se enruga, a mão envelhece,
O impulso jovial não mais se reconhece
Nos cabelos brancos em que a sabedoria se ergue...

Os anos angariados trouxeram solidão
E a simples alegria da doce sensação
De que a vida faz chorar ensinando a sorrir
E a amar todos aqueles que não te querem aqui


                Falei para Drika que seus poemas deveriam figurar em camisetas para serem lidos em todos os lugares. Acho que ficariam bem em outdoor. Na difícil seleção da camiseta, eu incluiria o poema XI. Lembrou-me a música “Paciência” do espetacular Lenine. Algo divino nessa terra monótona.   

Poema XI
A espera é um exercício delicado,
Um alimentar-se  de confiança e cuidado,
Doar de si a água que rega a flor ao lado

E rezar ao dia que ela possa florescer
Anunciando a beleza do amanhecer
Do tempo que amadurece e convida
A regar novamente a raiz da vida.

                “70 vezes 7” nos embarca no difícil trajeto do perdão. Possivelmente, um dilema silencioso e diário resolvido milhões de vezes, individualmente, no olhar, no silêncio, no sorriso ou numa lágrima escondida. A poesia é guia.

Um comentário:

  1. A poesia de Drika Duarte nos encanta sempre, dosada na fina magia de uma poesia que nos leva a refletir sobre o enigma da vida... Salve Drika Duarte

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