31 de mai. de 2017

Iemanjá – rainha de todas as praias brasileiras

Janilson Sales de Carvalho




Caminhando numa bela manhã de abril de 2016 na Praia dos Ingleses, em Florianópolis/SC, encontrei uma imagem de Iemanjá semelhante a que existe na Praia do Meio no litoral de Natal/RN. Ela é bem menor e não está instalada na areia da praia, ficando próxima ao casario. Também não está de costas para o mar como se dele saísse. Pelo contrário, é como se olhasse o mar recebendo os homens que regressam. Aos seus pés, velas acesas.
A praia catarinense é ainda de pescadores. Essas pequenas diferenças nas duas imagens me remeteram a um texto escrito pelo escritor paulista João Antônio, onde ele cita que “os trabalhadores das águas têm dois amores, um bem da terra e um bem do mar”. As posições das duas imagens indicam que a rainha está nesses lugares protegendo a partida e a chegada. Um amor eterno e zeloso. Além de referir-se a esse bem protetor, o escritor também define e descreve a rainha das águas nas suas diversas representações na cultura humana através dos séculos. Eis o texto:
 
As suas cores são o azul e o branco. Ela é vaidosa, sobrepaira, sereia, tem muitos nomes, um mais bonito que o outro, manhosa, cismada, caprichosa e prefere que a presenteiam com flores, dengos, vidrilhos, pentes, broches, perfumes, doces, brincos, espelhos, revistas femininas e coloridas, joias, bonecas, mimos, brinquedos. E que a salvem: “Odoiá, Iemanjá!”. É também Janaína, dona Janaína, Marabô, Oloxum, Inaê, Princesa do Aioká, Dandalunda, Mãe D’Água, Sereia Mukunã...Tem poderes. Fecha ou abre o mar para os saveiros e para as jangadas  e os trabalhadores das águas têm dois amores, um bem da terra e um bem do mar. O bem da terra é uma , a que fica na beira da praia quando o pescador sai e parte. O bem do mar  é o mar que, acho, não tem começo nem fim o mar e os mares, acabam onde os meus, os teus olhos e olhos nenhum alcançam, é tudo bonito. E é feio, o mar; brabo, mete medo.  (A um palmo acima dos joelhos – João Antônio)



O reino das águas é enigmático. Os trabalhadores do mar vivem uma aventura diária. A imensidão dos oceanos conduz todas as grandes narrativas humanas. A “conversa de pescador” é algo que sempre nos lança no imaginário fantástico. Nós, nas nossas salinhas com celulares nas mãos, jamais sentiremos a força das águas profundas ou das ondas gigantes. Também não entenderemos a força sagrada que emana da Rainha do Mar. No máximo, recorremos ao ritual de ano novo apelando para um banho que nos limpe das  mazelas do passado.
Os povos do mar sabem muitos segredos e, baseando-se neles, Jorge Amado nos proporcionou belas histórias nos seus livros. Muitas ainda não foram contadas em textos, porém, diariamente, são relatadas em cada beira de praia onde residem pescadores. Só eles podem falar da bela mulher vestida de azul e branco que fecha ou abre o mar para saveiros e jangadas. “Odoiá, Iemanjá!”   

29 de mai. de 2017

Memorial da Esperança


Janilson Sales de Carvalho
                A palavra "Esperança" tem muito significado na minha vida. Escrevo com letra maiúscula porque foi assim que ela apareceu na minha história. Meu pai nasceu em Nova Esperança, um distrito do município de Várzea no Rio G. Norte. Esse lugar agradável ainda concentra muitos familiares. Minha mãe também nasceu em Várzea, mas na sede do município.
                Logo após o casamento decidiram morar em Natal. Ali, durante vários anos peregrinaram por diversos bairros em casas alugadas. Nesse período nasceram os cinco filhos. A vida difícil impedia a compra de um imóvel. Foi na década de sessenta que a palavra “Esperança” se concretizou outra vez no destino da família no momento em que meu pai foi selecionado para receber uma casa na Cidade da Esperança, bairro popular idealizado pelo governador Aluízio Alves.  Naquele momento encontramos um porto seguro.
                Se meu pai foi o navegador que levou a família de uma Esperança a outra, minha mãe foi a pessoa que a incutiu em nossas vidas pelos caminhos da fé. Ele era um homem ocupado com o sustento e não se envolvia com temas religiosos. Era um grande leitor e nos repassava com convicção suas opiniões sobre os fatos do mundo. Acredito que era um dos homens mais bem informados do bairro. Ela participava da vida religiosa e conduzia a filharada nesse percurso. E a “Esperança” ganhou novo significado nas palavras do padre Tarcísio e na imagem de Nossa Senhora da Esperança, padroeira do bairro.
                Lembro-me de uma frase que ouvi de um colega: “domingo era dia de praia, missa e festa no Clube Intermunicipal.” Concordei com ele. Muitos jovens do bairro faziam esse roteiro. Como se vê, a igreja constava como elemento importante na rotina. Temos em janeiro a festa da padroeira, um evento importante que reúne os católicos.
      Há alguns anos, o filósofo Edgar Morin realizou uma palestra para milhares de pessoas no anfiteatro da UFRN e repetiu a palavra “esperança” diversas vezes. Cada vez que ele citava, eu refletia sobre o seu significado na minha vida. Como ela era preciosa para mim, pois representava meu lar e a fé na realização dos sonhos. Para onde eu iria sem ela? Nesse momento veio à mente a grande emoção provocada pela procissão anual com a  imagem da padroeira do bairro. Silenciosamente, a santa une pessoas, famílias e multidões num grande rio de esperanças. A “esperança” existe outra vez como um porto seguro, agora na imagem da mãe de Jesus.


                No feriado da Semana Santa de 2017, tive o prazer de passear em Monte Alegre/RN com minha mãe Lourdes, a grande amiga Nazaré  e a querida prima Socorro. Esse município entrou na minha vida no momento em que conheci minha esposa. É um belo lugar próximo a Natal. Lá também existe um bairro chamado Esperança. Antigamente era identificado como Rua da Palha devido às moradias pobres que ali existiam.  Hoje é um belo lugar com centenas de casas de alvenaria. Acredito que em cada lar existe uma história parecida com a minha. Nesse passeio, chegamos ao bairro. Minha mãe e as amigas ficaram encantadas com a nova igreja construída. A esperança transformou a palha em alvenaria, cimentando o amor entre as pessoas. E Nossa Senhora da Esperança está lá, no alto da igreja, fazendo com que todos mirem o tempo, amem a vida e caminhem com “Esperança”.

10 de mai. de 2017

O Bar de Avelino

Janilson Sales de Carvalho


                As grandes revoluções no campo das artes sempre foram provocadas pela reunião de artistas de vários talentos em um mesmo espaço. Isso foi um fenômeno constante na Europa e aconteceu também no Brasil. Podemos considerar a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo em 1922, como o evento mais conhecido. A partir daí, dezenas de encontros aconteceram e acontecem pelo país. Alguns atingem grandes repercussões, como a Tropicália e o Mangue Beat. Outros contribuem para novas experiências em bairros ou cidades periféricas dos grandes centros. O bom disso é que tudo que fazem deixa uma herança positiva nessas comunidades.
A Cidade da Esperança, desde a sua fundação nos anos sessenta, sempre foi um espaço povoado por artistas. Lembro-me que nessa década, o clube de mães encenava peças em datas comemorativas. De alguma maneira, esses grupos sempre buscaram uma forma de convivência em algum espaço. Naturalmente, por tratar-se de um bairro de trabalhadores, o tempo para os encontros sempre foi um elemento difícil e isso contribuiu para que tivessem curta duração. É um problema que precisa ser resolvido com a união de todos.


Uma das últimas tentativas para reunião desses grupos foi feita pelo artista plástico Avelino Pinheiro com a inauguração do Bar do Avelino, em sua residência na Rua Santa Cruz. Esse espaço durou aproximadamente um ano e foi extremamente rico em experiências artísticas. Durante esse tempo, músicos, cantores, pintores, escritores e poetas compartilharam boas conversas e ótimos espetáculos.  


                Um fato interessante é que havia sempre um violão disponível e qualquer cliente que soubesse tocar poderia abraçar o instrumento. Nessas ocasiões, outros clientes apoiavam  com uma percussão improvisada ou bem esboçada em um pandeiro. A festa rolava alegre e sem pressa. Em alguns momentos, Avelino nos brindava com a sua bela interpretação como sósia  de Bel Marques. Era o nosso Belvelino.

                 O Bar do Avelino se foi como tantos outros. Mostrou mais uma vez a riqueza artística que existe no bairro. Fez a sua parte. Fica a saudade.