19 de nov. de 2016

O judiciário trabalhista potiguar e a luta contra o trabalho infantil



Janilson Sales de Carvalho

Foi realizado no dia 18 de novembro, no auditório do Ministério Público do Trabalho/RN, o I SEMINÁRIO TRABALHO SEGURO E COMBATE AO TRABALHO INFANTIL E INCENTIVO À APRENDIZAGEM.  Como se vê,  o tema é abrangente e muito importante para todos nós. Lamentavelmente, não vi nenhum jornal fazendo a cobertura do evento. Se tivessem comparecido, teriam conhecido um pouco da atuação constante da Justiça do Trabalho/RN no combate ao trabalho infantil e na defesa da importância da aprendizagem na formação dos jovens para sua realização pessoal e profissional.
                Um aspecto que foi repetido por diversos oradores foi a “naturalidade” com que a sociedade em geral, ou melhor, “nós”,  convivemos com crianças trabalhando nas ruas ou em qualquer outro lugar. Elas vendem água, limpam para-brisas, catam objetos, engraxam sapatos, etc...Um procurador citou o enganoso mito de que o trabalho infantil geraria homens honestos e vencedores. Diversos discursos de pessoas que progrediram e afirmam que vieram do nada embasam esse mito. O fato é que a criança trabalhadora não estuda e por consequência terá como rota de vida salários indignos e serviços pesados.
                Um número estarrecedor foi o que revelou a ocupação de vagas do programa “Jovem Aprendiz”. Das mais de cinco milhões de vagas, apenas 500 mil são aproveitadas. Além disso, não atingem o jovem carente de dezesseis anos porque as empresas preferem os acima de 18 anos por acharem que aprendizagem é só custo, não a reconhecendo como investimento.
                O seminário também incluiu o encerramento do “Programa Trabalho, Justiça e Cidadania”, desenvolvido pela Associação dos Juízes do Trabalho do RN em parceria com o TRT/RN, MPT/RN, OAB/RN e a Secretaria de Educação do RN, para levar noções de trabalho, justiça e cidadania aos alunos das escolas públicas. Vale ressaltar o papel importante da Escola Judicial do TRT na condução do programa.
                Para demonstrar os conhecimentos adquiridos na participação desse programa, os alunos elaboram uma apresentação artística. Este ano, 18 alunos do CENEP – Centro Estadual de Educação Profissional Senador Jessé Pinto Freire, sob a orientação dos professores Cláudio Cavalcante e Andréa Karine, apresentaram a peça “O Trabalho” abordando os vários temas estudados.

 Após a bela apresentação, fiquei pensando naquela peça e naqueles jovens. Quanto talento, meu Deus! Por que aquela peça não é levada para todas as escolas? Sei que é impossível o programa TJC atingir todas, mas a arte preenche essas lacunas. A arte fala alto e direto, diz no olho, diz na cara. Aquela peça disse tudo. Aqueles jovens emocionaram a plateia  repleta de trabalhadores que, como eu, relembraram passagens amargas e cruéis da caminhada no mundo do trabalho . Deixaram-me com o coração na boca.  Precisamos encontrar uma forma de tão belo espetáculo não se perder em uma apresentação única. A arte simplifica e aprofunda a mensagem. A seca nordestina dói em cada pessoa, em todos os lugares do mundo, por causa da música “Asa Branca”.
Para abrir este texto, inclui a foto de um quadro da artista Rafaela Barbosa, aluna do 3º ano da Escola Estadual Almirante Tamandaré. Ela expôs durante o seminário. Escolhi esse quadro porque ele me inquietou. Mexeu com a minha alma. Quem precisa explicar a dor do trabalho infantil diante dessa obra? Qual a palavra? Qual o argumento?

15 de nov. de 2016

A última obra de Ivan Cláudio



Janilson Sales de Carvalho 

                Ivan Cláudio era um artista do grafite, da Cidade da Esperança, que faleceu aos 18 anos no dia 08 de maio de 2010, dia do Artista Plástico. Naquele dia, ele iria com outros artistas, a convite da FUNCART,  pintar sua obra no muro da Escola Municipal Emanuel Bezerra, no bairro Planalto. Um problema no coração o impediu de concretizar o projeto, porém, os amigos: Neon, Doce, Hades, Bones e Flor o realizaram. Estive no local poucos dias depois e fotografei a obra. Descobri recentemente que ela foi apagada.
                O grafite é uma arte marginal e por isso some como as nuvens. Não há um projeto de valorização e permanência dessa arte no setor público, nem no privado. Pelo menos aqui em Natal. Precisamos fotografá-las imediatamente, pois durante a noite poderão ser violadas ou apagadas. Para nossa tristeza. 

                Pensei no último recado de Ivan e fui olhar as fotos. O que um jovem com uma doença grave poderia ter deixado como herança de sua arte? Quantas ricas análises poderiam ser feitas sobre aquela cena? Quantos contos? Quantos poemas? O amor está ali no coração ofertado, pulsando de desejo pela amada. Entrega total do afeto. Talvez o frágil coração de Ivan pedindo que alguém o salve. Talvez uma dúvida sobre o grande amor, gerando uma despedida e um encontro.  Sei que fala de amor. Do amor que falta nos dias atuais. Do amor que sumiu sob a tinta branca da ignorância e do desprezo pelas artes marginais. Do amor que resiste na lembrança marcada por uma foto, que brilhará por alguns segundos nas telas de alguns computadores e seguirá sua rota louca na internet. Do amor, nosso mais precioso tesouro.

               


12 de nov. de 2016

O poeta Oreny lança “Fórceps” na FLIQ



Janilson Sales de Carvalho  
       
                A Feira de Livros e Quadrinhos de Natal está acontecendo esta semana na Cidade da Criança. O evento segue até domingo,  9h às 21h, entrada gratuita e a programação pode ser acessada no site www.fliqnatal.com.br. É a sexta edição. Antes acontecia junto com a CIENTEC na UFRN, agora adaptou-se bem ao belo espaço da Cidade da Criança.

                A FLIQ é um desses espaços de resistência ao mundo voraz das mídias que transforma imediatamente qualquer coisa em nada. O livro e o quadrinho são nossos Quixotes incansáveis. É uma luta um tanto feroz contra celulares e tablets  com bilhares de informações. Mas esse mundo virtual jamais possibilitará a qualquer pessoa as alegrias íntimas que o folhear de um livro ou de uma revista provocam. Os olhos seguindo curiosos as linhas escritas e  as imagens estampadas. Os dedos passeando sobre a folha. A vontade de dividir com alguém aquela pequena alegria: “Veja isso...leia isso.”
                Foi esse amor pela literatura  que levou o poeta Oreny a publicar o livro “Fórceps” este ano.  Com a publicação a vida dele tomou rumos inesperados, tendo que incluir viagens com a Caravana de Escritores Potiguares em diversas cidades do interior do RN. Os escritores da Caravana também estão presentes no evento com um momento de lançamentos de livros no dia 13 das 17 às 19 horas. “Fórceps” está na lista.

10 de nov. de 2016

Avenida Paraíba – festa na Cidade da Esperança



Janilson Sales de Carvalho

                Um dia desses, um amigo olhou para Avenida Paraíba e perguntou: “A festa é comemorando o quê?”. Respondi que aquele era o movimento normal daquela avenida nos finais de semana. Repleta de bares, pizzarias e lanchonetes, a vida festiva noturna do bairro passa por ali. Ao longo do tempo os nomes dos bares mudaram, seus donos também, mas a alegria nunca arredou pé do território. Talvez as presenças do Clube Intermunicipal e da antiga Ciclone tenham algo a ver com isso.
                A vida festiva da Avenida Paraíba segue o ciclo da noite. Grupos de todas as idades buscam o lugar mais aconchegante. Jovens lotam as lanchonetes e pizzarias com a sua alegria. Famílias inteiras se reúnem com frequência para firmar seus laços afetivos. Trabalhadores juntam-se em pequenos grupos para conversar sobre a vida e o trabalho. Casais namoram. Senhores formam pequenas confrarias que se encontram semanalmente para rir da vida e resgatar memórias.

 Lamentavelmente, a música ao vivo não faz mais parte desses espaços. Hoje, a arte musical é mostrada nas imensas telas espalhadas nos ambientes. O que percebo é que esse espetáculo é o que menos importa. As pessoas estão interessadas nas pessoas, em ouvi-las, rir com elas.
Na Cidade da  Esperança a vida segue com festa.  Afinal, os amigos estão ali no bairro, próximos, amáveis, sorrindo sob a luz mágica da noite apaixonante da Avenida Paraíba.  

2 de nov. de 2016

Jorge Mário – o finado da Cidade da Esperança



Janilson Sales de Carvalho
                Todo lugar tem suas figuras inesquecíveis. O próprio Câmara Cascudo fez uma seleção dos tipos natalenses em seu primeiro livro: “O livro das Velhas Figuras”. Elas nos marcam pelos mais variados motivos como: talento em alguma atividade, inteligência, beleza, feiura, algum tipo de deficiência, alegria pela vida, vício, bondade, maldade, dedicação aos outros, etc. O fato é que os motivos são os mais diferentes para fixá-las nas lembranças. Assim, uns amam e outros detestam. Acontece com cada um de nós. Não sabemos realmente o que as pessoas sentem ou pensam de nós. Acho que sempre queremos imaginar o melhor. Seguimos nessa ilusão até que alguém nos espete com a sua verdade. Se fôssemos parar para cuidar só disso, a vida seria insuportável. Por isso devemos seguir sem muitos sobressaltos. 
                Hoje, dia de finados, lembrei-me de Jorge Mário, o finado. Ele realmente faleceu, mas a história do finado foi em vida. Um dia ele passou a chamar todo mundo de finado. Leve-se em conta que trabalhou muito tempo com bares e a clientela resolveu tratá-lo com a mesma alcunha e o finado ficou sendo ele. Apareceu o “Bar do Finado”. Uma característica desse bar era a sua constante mudança. Jorge se atrapalhava com algumas questões e os donos dos prédios pediam a desocupação. Assim, o bar ocupou diversos endereços na Cidade da Esperança. Mas a fiel clientela não o abandonava. Sem WhatsApp,  a notícia corria pelo bairro: “O finado abriu outro bar, está na rua tal.” E a turma seguia para lá.
                Jorge era dessas figuras que achavam que a alegria era algo permanente. Fazia o que podia para as pessoas rirem. Naqueles anos, eu ensinava no noturno e escolhia a sexta-feira para terminá-la no Bar do Finado. Após o trabalho, circulava pelo bairro até encontrar o bar, caso estivesse ativo, ou Jorge, caso estivesse de bobeira. Uma semana de canseira merecia terminar com alegria e bom humor.
                Lembro-me de um dia em que encontrei Jorge preocupado com a brincadeira de chamar todo mundo de finado. Um cliente suicidou-se. Assim foi o relato: “Finado, eu chamei um finado de finado e ele saiu daqui e se matou. Será que o finado levou a brincadeira a sério e resolveu ser finado?” Fiquei sem resposta. Jorge adorava os amigos e aquilo realmente o incomodou.   Talvez, aquele cliente tenha ido se despedir da vida no lugar mais alegre  e com a pessoa mais divertida que ele conhecia.  Coisas da vida. Sabemos de relatos de suicidas que se despendem de lugares e pessoas antes do ato final.
                Um dos últimos bares ficava na Rua do Detran, vizinho a uma Igreja Batista. Jorge resolveu assumir literalmente o nome do bar. Pintou de roxo, cor dos caixões mais populares, e estampou o nome em letras garrafais: “Bar do Finado”. Pensei em tirar uma foto, mas só me lembrava às sextas quando já estava no bar. Naquele tempo, o meu aparelho de celular não tinha câmera.  Algumas vezes ficava esperando alguém desocupar uma mesa. Valia a espera. Como os outros, este durou pouco tempo, mas valeu cada segundo.
                Hoje, Jorge é finado. Sucumbiu à tristeza. Só sei que a sua presença me afastou inúmeras vezes dela. Lamento que não tenhamos tido a mesma capacidade de plantar a alegria no seu coração nos momentos de sofrimento. Sei que alguns tentaram. Possivelmente, 6nenhuma rua receberá seu nome. Isso nada importa. Jorge é lembrado pelo que plantou de amizade e cultivou de alegria. Muitos não o compreenderam. A sua alma dionisíaca não aceitava as regras, as normas. Foi assim com Raul Seixas, foi assim com Jorge Mário, o finado. Hoje eles estão lá, noutra festa.