2 de nov. de 2016

Jorge Mário – o finado da Cidade da Esperança



Janilson Sales de Carvalho
                Todo lugar tem suas figuras inesquecíveis. O próprio Câmara Cascudo fez uma seleção dos tipos natalenses em seu primeiro livro: “O livro das Velhas Figuras”. Elas nos marcam pelos mais variados motivos como: talento em alguma atividade, inteligência, beleza, feiura, algum tipo de deficiência, alegria pela vida, vício, bondade, maldade, dedicação aos outros, etc. O fato é que os motivos são os mais diferentes para fixá-las nas lembranças. Assim, uns amam e outros detestam. Acontece com cada um de nós. Não sabemos realmente o que as pessoas sentem ou pensam de nós. Acho que sempre queremos imaginar o melhor. Seguimos nessa ilusão até que alguém nos espete com a sua verdade. Se fôssemos parar para cuidar só disso, a vida seria insuportável. Por isso devemos seguir sem muitos sobressaltos. 
                Hoje, dia de finados, lembrei-me de Jorge Mário, o finado. Ele realmente faleceu, mas a história do finado foi em vida. Um dia ele passou a chamar todo mundo de finado. Leve-se em conta que trabalhou muito tempo com bares e a clientela resolveu tratá-lo com a mesma alcunha e o finado ficou sendo ele. Apareceu o “Bar do Finado”. Uma característica desse bar era a sua constante mudança. Jorge se atrapalhava com algumas questões e os donos dos prédios pediam a desocupação. Assim, o bar ocupou diversos endereços na Cidade da Esperança. Mas a fiel clientela não o abandonava. Sem WhatsApp,  a notícia corria pelo bairro: “O finado abriu outro bar, está na rua tal.” E a turma seguia para lá.
                Jorge era dessas figuras que achavam que a alegria era algo permanente. Fazia o que podia para as pessoas rirem. Naqueles anos, eu ensinava no noturno e escolhia a sexta-feira para terminá-la no Bar do Finado. Após o trabalho, circulava pelo bairro até encontrar o bar, caso estivesse ativo, ou Jorge, caso estivesse de bobeira. Uma semana de canseira merecia terminar com alegria e bom humor.
                Lembro-me de um dia em que encontrei Jorge preocupado com a brincadeira de chamar todo mundo de finado. Um cliente suicidou-se. Assim foi o relato: “Finado, eu chamei um finado de finado e ele saiu daqui e se matou. Será que o finado levou a brincadeira a sério e resolveu ser finado?” Fiquei sem resposta. Jorge adorava os amigos e aquilo realmente o incomodou.   Talvez, aquele cliente tenha ido se despedir da vida no lugar mais alegre  e com a pessoa mais divertida que ele conhecia.  Coisas da vida. Sabemos de relatos de suicidas que se despendem de lugares e pessoas antes do ato final.
                Um dos últimos bares ficava na Rua do Detran, vizinho a uma Igreja Batista. Jorge resolveu assumir literalmente o nome do bar. Pintou de roxo, cor dos caixões mais populares, e estampou o nome em letras garrafais: “Bar do Finado”. Pensei em tirar uma foto, mas só me lembrava às sextas quando já estava no bar. Naquele tempo, o meu aparelho de celular não tinha câmera.  Algumas vezes ficava esperando alguém desocupar uma mesa. Valia a espera. Como os outros, este durou pouco tempo, mas valeu cada segundo.
                Hoje, Jorge é finado. Sucumbiu à tristeza. Só sei que a sua presença me afastou inúmeras vezes dela. Lamento que não tenhamos tido a mesma capacidade de plantar a alegria no seu coração nos momentos de sofrimento. Sei que alguns tentaram. Possivelmente, 6nenhuma rua receberá seu nome. Isso nada importa. Jorge é lembrado pelo que plantou de amizade e cultivou de alegria. Muitos não o compreenderam. A sua alma dionisíaca não aceitava as regras, as normas. Foi assim com Raul Seixas, foi assim com Jorge Mário, o finado. Hoje eles estão lá, noutra festa.

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