31 de out. de 2016

Os meninos – a obra-tesouro de Avelino Pinheiro









Janilson Sales de Carvalho
                Antigamente a foto representava um instantâneo. Um momento fugaz que se registrava temporariamente na vida das pessoas. Faziam-se cópias e cada um partia com seu pedaço de passado. Aquele rudimento do tempo era guardado em gavetas ou caixas e aparecia de vez em quando para reabrir a porta da memória. O mundo digital remodelou essa prática e permite o compartilhamento imediato da cena escolhida, repassando-a para milhares de pessoas, envolvidas ou não com o fato. Em lugar das caixas e gavetas, as imagens são arquivadas em inúmeras pastas digitais, emergencialmente construídas e, também, urgentemente esquecidas. Sumirão esfaceladas em milhares de bytes. O polegar do observador já não tocará o desalinho do cabelo da amiga na imagem de papel. A foto não passeará de mão em mão nas reuniões comemorativas. Se alguém for mais estiloso, as imagens serão projetadas em grande dimensão numa parede, sumindo em pequenos intervalos, sem dar tempo de tecer  comentários engraçados que animariam o encontro.
                Em rumo oposto, quando a foto vira obra de arte em uma pintura, a cena ganha uma perenidade e uma majestade que fixam o ser e o tempo. Daqui, faço uma breve reverência aos quadros vivos que aparecem nos filmes de Harry Porter. Eles nos olham, misteriosos e inquietantes, como se nos flagrassem como invasores de intimidades alheias. Talvez nos sintamos do mesmo jeito diante dos quadros imóveis expostos nas casas ou nos salões de arte. De fato, estamos curiosos para conhecer e saber sobre cada ser estampado nas telas.  
A obra de arte, no seu silêncio e imobilidade, resguarda a beleza de uma cena do passado. Penso aqui nos quadros de família ocupando as paredes dos mais diversos lares. A casa pode mudar de forma, mas o quadro retomará seu espaço de acordo com a importância dada ao retratado. Talvez permaneça em lugar especial enquanto os sentimentos dos ocupantes lhes forem favoráveis. Se o personagem legou péssimas lembranças, o quadro sumirá entre os entulhos ou será triturado no caminhão de lixo.
Mas, só se guarda o que se ama. Acredito que cada quadro exposto em uma casa tem um resgate de amor enxertado de saudade. Foi isso que percebi no momento em que observava, na casa do amigo Macau, um quadro de Avelino Pinheiro com a imagem de um festivo boi. Após alguns comentários, Macau me convidou para conhecer a obra que mais admirava daquele artista. Levou-me à sala da casa parando diante de um belo quadro que retratava seus filhos. O olhar daquele pai deve ter sido o mesmo quando observou a cena real com aqueles meninos, hoje homens. A pequena foto que serviu de modelo também estava guardada com o mesmo zelo. Ficamos alguns instantes em silêncio. Os olhos de Macau fixos no quadro. Um sorriso leve, uma alegria suave. Ali, o tesouro da casa. Um homem feliz, com um brilho nos olhos, desceu os degraus comigo naquela tarde de sábado.        
                 

29 de out. de 2016

CULT e Caros Amigos – 19 anos de resistência nas bancas da Cidade da Esperança






Janilson Sales de Carvalho

Há alguns anos, eu chegava à banca de Jailson, na Cidade da Esperança, e saía de lá com diversas publicações, entre elas: Língua Portuguesa, Discutindo Língua Portuguesa, Discutindo Literatura, Educação, Revista do Brasil, Nova Escola, Caros Amigos e CULT. Adquiria outras que tiveram curta duração, lançando no máximo três exemplares, apesar de bem elaboradas. Sempre aviso a Jailson: se falar de literatura ou ensino de língua portuguesa, guarde uma para mim. Esta semana estive na banca e saí com apenas duas: Caros Amigos e CULT.
                Sempre converso com Jailson sobre esses sumiços e ele me relata os problemas de distribuição em Natal. São poucas empresas e os títulos que circulam são os mais lidos ou os mais populares. Lamentavelmente, os dois temas que gosto não estão elencados entre os preferidos da população. Principalmente na periferia da cidade. Poderia resolver esse dilema com assinaturas, mas perderia a oportunidade de perambular pelo bairro e encontrar velhos amigos. Para mim, ir buscar as revistas é um ritual. Me programo, escolho horários tranquilos e trajetos movimentados. Nunca fiquei sem um feliz encontro. Na banca, converso com Jailson sobre manchetes, problemas locais e nacionais, enquanto degusto picolés de limão. 

                O meu antigo jornaleiro era Pedro, na Praça Aluísio Alves. Foi na banca dele que encontrei o primeiro número da revista Caros Amigos, em abril de 1997. No mesmo ano comprei o primeiro da CULT, em julho, na Hiperbanca. Pedro tem hoje uma loja de conveniências chamada Pedro 500 na Avenida Paraíba. A loja tem uma mesa de sinuca bem frequentada e as cervejas mais geladas do bairro. Sempre tem pessoas interessantes para uma conversa. Geralmente, quando saio da banca de Jailson, dou uma passadinha na loja de Pedro.  
                Gosto de revistas. Sou chegado a leituras em uma boa rede num lugar ventilado. Ainda tenho CULT e Caros Amigos. A primeira me leva ao especial mundo da literatura e a segunda ao Brasil profundo, com o seu espetacular multiculturalismo. Inclua-se também uma crítica séria aos dilemas nacionais. Compartilhei, por muito tempo, os artigos dessas revistas com colegas na universidade e com alunos na sala de aula. Sempre saí mais rico das leituras e dos debates. Há dezenove anos convivo com esses encontros pautados pelas revistas. Espero que mais dezenove venham.