23 de out. de 2023

Presença do bem: um recanto de paz e beleza na Cidade da Esperança

 

Janilson Sales de Carvalho

 

 


Temos jardins e quintais nas nossas casas. Lugares particulares, pequenos paraísos para nossos olhos e de outras íntimas criaturas. Pensamos em nós quando moldamos e montamos esses espaços. O recanto do guerreiro, o meu lugar, meu sossego. Nomes poéticos vão sendo escritos em tabuletas para os que, autorizados, podem acessar o pequeno Éden. O jardim particular.

É sabido que espaços públicos são administrados por prefeituras e suas secretarias. Qualquer abandono, feiura ou sujeira tem assim seu legítimo culpado. E seguimos com as ruas mais tristes e as praças mais abandonadas. O que temos a ver com isso? Pagamos impostos para solucionar os problemas e tudo é culpa dos administradores públicos. 

 


Para surpresa de muitos, na rua Adolfo Gordo, na Cidade da Esperança, existe um canteiro com plantas bem cuidadas, bancos para descanso e conversa e uma mesa para leitura à sombra das árvores. No meio do calor natalense, um lugar de paz. Perguntas surgem: por que só ali? E os outros canteiros com lixo e feiura? Alguém menos apressado, verá um senhor cuidando com carinho de cada planta e do lugar. Novas perguntas: por que alguém se ocuparia de algo assim? O canteiro não é dele e ele não é pago pela prefeitura. Jamais aquilo será dele. É nessa hora que se descobre o que é generosidade, amor ao próximo, à natureza, à vida. Aquele senhor aprendeu que faz parte de um lugar e que pode contribuir naquele pequeno espaço para melhorar os dias. Da varanda de sua casa já presenciou muitas pessoas sentarem nos bancos para um descanso de uma caminhada. De lá vê pássaros pousando barulhentos nas árvores. Nessas horas percebe a grande utilidade e importância do seu trabalho. Jamais saberá quantos passantes buscaram aquele lugar para um momento de paz. Mas isso é o que menos importa para ele. Seu desejo é que exista esse lugar. Nada além disso.


 

Resolveu chamá-lo de “Presença do bem”. Num canto, uma placa informa que o senhor José Antonio Cavalcanti, seu Zequinha,  adotou aquele lugar e tem o apoio de outras pessoas que pensam como ele. Talvez muitos não saibam que a lei municipal 5.915 cria o “Natal mais verde” e apoia essas iniciativas. Agora ele pensa em leitores naquele espaço ou nas calçadas próximas. Reúne amigos para ouvir sugestões e ideias. Assim, sai espalhando sua generosidade em outros. Acredita que o bem é possível e pode contribuir para melhorar qualquer lugar. Seus gestos já mostraram isso, que nos sirva de exemplo.


 

18 de set. de 2023

1º Toca Raul da Cidade da Esperança

 Janilson Sales de Carvalho


                O grito “Toca Raul” ganhou o mundo. Pode ser uma provocação para alguns  e uma festa para muitos. Possivelmente, Raul Seixas é o artista mais lembrado e homenageado no Brasil. Não há gerações específicas de fãs pois jovens e adultos unem-se nos tributos. Isso é decorrente do imenso poder criativo e da variedade temática da obra. Raul era questionador e reagia com talento a tudo que lhe incomodava. Filosofia e Psicologia escorrem das suas letras. Muitos decidiram seus rumos ou passaram a compreendê-los cantando versos de Raul. “Tente outra vez” esvaziou divãs; “A maçã” pacificou relações e encerrou algumas complicadas e  “Meu amigo Pedro” revelou o indivíduo submisso aos ditames de uma sociedade insensível e recusando a “Sociedade Alternativa” e libertária. E a pandemia nos fez mergulhar na incrível história de “O dia em que a terra parou”. Toca Raul porque Raul nos toca profundamente.


                Tivemos no sábado passado (09/09/2023) o 1º Toca Raul da Cidade da Esperança. Aconteceu em setembro para não coincidir com as outras homenagens. Todos os anos um grande grupo de fãs que residem no bairro segue para o tributo em Ceará- Mirim, sou um deles. Gosto de ir no trem que sai da Ribeira , ouvindo as cantorias na viagem. Depois, acompanhar o belo encontro que acontece no Mercado Público da cidade. Raul une pessoas especiais em lugares únicos. Isso aconteceu no evento da Esperança. O bom é que a ideia surgiu no aniversário do meu filho Arthur, na minha casa, numa conversa com Jeandro e meu irmão Jansen.


                O velho e querido  Clube Intermunicipal deu conta do recado, apesar da chuva , que apareceu diversas vezes, ninguém arredou o pé.  As mesas passeavam de lugares abertos para outros cobertos.  Estar junto ouvindo Raul é sempre uma  festa, faça chuva ou sol.  As presenças e os talentos de Gustavo Cocentino, Raulogia e Raulzito Cover deram o excelente tom festivo necessário. A banda Raulogia tem componentes que moram no bairro e de vez em quando faz uns ensaios por aqui.


                Toca Raul hoje e sempre. A Cidade da Esperança entrou no calendário dos tributos e fez bonito. Surpreendeu o bom número de participantes no evento, mas o amor pela arte de Raul não deveria surpreender ninguém. A tarde se foi e a noite chegou com a mesma animação. Encontrei queridos amigos, cantei e senti a doce liberdade que as músicas dele despertam. Foi espetacular.



               

26 de fev. de 2023

103 anos do escritor José Mauro de Vasconcelos


 

Janilson Sales de Carvalho

                Hoje, estaria completando 103 anos. José Mauro é conhecido mundialmente pela obra “O meu pé de Laranja Lima”. O livro serviu de roteiro para novela e filmes. A história baseia-se nas memórias da infância numa família pobre em Bangu no Rio de Janeiro. Em Bangu havia uma fábrica de tecidos na qual o jovem médico natalense Ricardo Barreto (filho do empresário Juvino Barreto), após a formatura no Rio de Janeiro,  realizou estágio, conhecendo sua futura esposa Martha Paes, sobrinha de Estefânia, mãe de José Mauro. O casal não podia ter filhos e adotou os irmãos Zuleika e José Mauro, primos de Martha. A nova família era rica e matriculou José no Colégio Marista de Natal. Assim, Natal fez parte da vida do escritor no período da infância e adolescência, resultando nos romances “Vamos aquecer o sol” (uma sequência da infância iniciada em “O meu pé de Laranja Lima”),  “Doidão” (adolescência em Natal) e “As confissões de Frei Abóbora” (relatos memoriais de adulto).


 

                O casal Barreto morava na rua Junqueira Aires (hoje Câmara Cascudo) próximo à casa do escritor Luís da Câmara Cascudo com quem José Mauro teve grande amizade. Esse belo tempo é descrito nos três romances, porém, traz o choque de opiniões entre o pai adotivo e seu filho. A vida livre em Bangu é substituída por um lote de regras e costumes sociais e religiosos que provocam os dilemas familiares. No cenário dos dramas, Natal surge com sua beleza marcante nas décadas de trinta e quarenta. As cenas acontecem nas praias, no rio Potengi, nas ruas da Ribeira e da Cidade Alta. Ler essas obras possibilita uma bela viagem por uma cidade que ainda existe e resiste. Há poesia em cada trecho pois Zé Mauro escrevia com paixão.

                 

24 de jan. de 2023

O bar de seu Galego na Cidade da Esperança

 

 


Janilson Sales de Carvalho

                Com certeza está na lista dos bares mais antigos da Cidade da Esperança. Ficava na Rua dos Caicós, hoje Adolfo Gordo, a velha avenida Sete que descia do Alecrim até o morro. O nome do Galego, meu pai,  era Aderson Argemiro de Carvalho. Branco de olhos azuis, descendente de portugueses que se instalaram em Várzea, no agreste no final do século XIX, daí o apelido de Galego. Foi um dos primeiros moradores da primeira etapa do bairro. Morava na quadra 11, hoje rua Mamanguape. Cruzava a rua e estava na Caicós. Plantou nos anos setenta um pé de castanhola que pode ser considerado o maior do bairro e é uma das maiores arvores da Adolfo Gordo. Foi adubada com restos de tira-gostos, o famoso “trinchinchin” (que é uma mistura de feijão, arroz e carne de charque)  e sobras de cachaça. A raiz deve estar chegando no Japão.


 

                O bar tinha um seleto grupo de amigos que o tinham como ponto de encontro após o trabalho e nos finais de semana. Entre eles, Barbosa do quartel, Orlando sapateiro, Miguel sanfoneiro, Miguel relojoeiro, Joaquim Pereira, Chico Pedreiro, Tico Pedreiro, Otacílio, Djalma, Zé Bento,  Pelé da COSERN, sargento Paulo, Maurílio da CAERN, o grande cantor Patativa, Bento motorista, Tomaz pedreiro, Sid Pacheco, entre outros.  Havia a garagem da empresa Deda Turismo, depois Transflor, na vizinhança do bar e isso favorecia o aparecimento de novas figuras que por lá circulavam após a labuta. Uma mesa de sinuca servia para animar o recinto e provocar competições. Foi numa dessas que o garoto Jansen, filho do galego, ganhou notoriedade ao derrotar diversos convencidos.

                Os velhos amigos, em uma brincadeira, chegaram a criar uma lista de quem morreria primeiro e o nome do Galego abria a relação. Aos poucos foram furando a fila, ficando o Galego por último, indo encontrá-los aos 86 anos em 2011. Lembro-me de uma visita que fizemos ao sargento Paulo que mudou-se para Zona Norte. Lá, embaixo de um pé de carambola e bebendo cachaça, ouvi do sargento: “Galego, eu ainda estou vivo porque vim pra longe de você” e caiu na gargalhada.

                Há muitas histórias sobre o Galego na memória do bairro. Tinha alguns hábitos, entre eles, tomava a primeira dose ao meio dia, caso não tivesse vendido ainda, jogava uma moeda na gaveta e dizia “Descolei!”. Quando era questionado porque bebia, citava energicamente as letras “BPPTTC” e dizia “Bebo porque posso, tenho tempo e condições”.

                Inicialmente, seu Galego batizou o bar com o nome de “Caverna dos Brutos”. Assim era conhecido pelos velhos amigos. Talvez revelasse aquele grupo de homens de profissões humildes que vieram morar com suas famílias num lugar sem transporte, com ruas de areia, sem água e sem atendimento de saúde. O tempo e a partida dos amigos apagaram a caverna e a presença constante do Galego foi sendo assimilada pela nova clientela que foi mudando com o crescimento do bairro, surgiu o Bar do Galego. 


 


                O bar hoje é de uso estritamente familiar. Ficou num pequeno espaço entre a minha antiga casa, hoje loja CURTE CAR do meu filho Thiago, e a casa da minha irmã Telma.  Nos finais de semana, meu cunhado Erivaldo reúne um grupo de amigos e comemora a vida. A cena remete a eterna presença do Galego. Quando não viajo para Monte Alegre, marco presença. Outros bares antigos sumiram e só existem na memória de antigos frequentadores. O Bar do Galego permanece, na Adolfo Gordo, embaixo da grande árvore e em nós.