Janilson Sales de Carvalho
Antigamente
a foto representava um instantâneo. Um momento fugaz que se registrava
temporariamente na vida das pessoas. Faziam-se cópias e cada um partia com seu
pedaço de passado. Aquele rudimento do tempo era guardado em gavetas ou caixas
e aparecia de vez em quando para reabrir a porta da memória. O mundo digital
remodelou essa prática e permite o compartilhamento imediato da cena escolhida,
repassando-a para milhares de pessoas, envolvidas ou não com o fato. Em lugar
das caixas e gavetas, as imagens são arquivadas em inúmeras pastas digitais,
emergencialmente construídas e, também, urgentemente esquecidas. Sumirão
esfaceladas em milhares de bytes. O polegar do observador já não tocará o
desalinho do cabelo da amiga na imagem de papel. A foto não passeará de mão em
mão nas reuniões comemorativas. Se alguém for mais estiloso, as imagens serão
projetadas em grande dimensão numa parede, sumindo em pequenos intervalos, sem
dar tempo de tecer comentários engraçados
que animariam o encontro.
Em
rumo oposto, quando a foto vira obra de arte em uma pintura, a cena ganha uma
perenidade e uma majestade que fixam o ser e o tempo. Daqui, faço uma breve reverência
aos quadros vivos que aparecem nos filmes de Harry Porter. Eles nos olham,
misteriosos e inquietantes, como se nos flagrassem como invasores de
intimidades alheias. Talvez nos sintamos do mesmo jeito diante dos quadros
imóveis expostos nas casas ou nos salões de arte. De fato, estamos curiosos
para conhecer e saber sobre cada ser estampado nas telas.
A obra de arte,
no seu silêncio e imobilidade, resguarda a beleza de uma cena do passado. Penso
aqui nos quadros de família ocupando as paredes dos mais diversos lares. A casa
pode mudar de forma, mas o quadro retomará seu espaço de acordo com a
importância dada ao retratado. Talvez permaneça em lugar especial enquanto os
sentimentos dos ocupantes lhes forem favoráveis. Se o personagem legou péssimas
lembranças, o quadro sumirá entre os entulhos ou será triturado no caminhão de
lixo.
Mas, só se guarda
o que se ama. Acredito que cada quadro exposto em uma casa tem um resgate de
amor enxertado de saudade. Foi isso que percebi no momento em que observava, na
casa do amigo Macau, um quadro de Avelino Pinheiro com a imagem de um festivo
boi. Após alguns comentários, Macau me convidou para conhecer a obra que mais
admirava daquele artista. Levou-me à sala da casa parando diante de um belo
quadro que retratava seus filhos. O olhar daquele pai deve ter sido o mesmo
quando observou a cena real com aqueles meninos, hoje homens. A pequena foto
que serviu de modelo também estava guardada com o mesmo zelo. Ficamos alguns
instantes em silêncio. Os olhos de Macau fixos no quadro. Um sorriso leve, uma
alegria suave. Ali, o tesouro da casa. Um homem feliz, com um brilho nos olhos,
desceu os degraus comigo naquela tarde de sábado.
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