24 de jan. de 2023

O bar de seu Galego na Cidade da Esperança

 

 


Janilson Sales de Carvalho

                Com certeza está na lista dos bares mais antigos da Cidade da Esperança. Ficava na Rua dos Caicós, hoje Adolfo Gordo, a velha avenida Sete que descia do Alecrim até o morro. O nome do Galego, meu pai,  era Aderson Argemiro de Carvalho. Branco de olhos azuis, descendente de portugueses que se instalaram em Várzea, no agreste no final do século XIX, daí o apelido de Galego. Foi um dos primeiros moradores da primeira etapa do bairro. Morava na quadra 11, hoje rua Mamanguape. Cruzava a rua e estava na Caicós. Plantou nos anos setenta um pé de castanhola que pode ser considerado o maior do bairro e é uma das maiores arvores da Adolfo Gordo. Foi adubada com restos de tira-gostos, o famoso “trinchinchin” (que é uma mistura de feijão, arroz e carne de charque)  e sobras de cachaça. A raiz deve estar chegando no Japão.


 

                O bar tinha um seleto grupo de amigos que o tinham como ponto de encontro após o trabalho e nos finais de semana. Entre eles, Barbosa do quartel, Orlando sapateiro, Miguel sanfoneiro, Miguel relojoeiro, Joaquim Pereira, Chico Pedreiro, Tico Pedreiro, Otacílio, Djalma, Zé Bento,  Pelé da COSERN, sargento Paulo, Maurílio da CAERN, o grande cantor Patativa, Bento motorista, Tomaz pedreiro, Sid Pacheco, entre outros.  Havia a garagem da empresa Deda Turismo, depois Transflor, na vizinhança do bar e isso favorecia o aparecimento de novas figuras que por lá circulavam após a labuta. Uma mesa de sinuca servia para animar o recinto e provocar competições. Foi numa dessas que o garoto Jansen, filho do galego, ganhou notoriedade ao derrotar diversos convencidos.

                Os velhos amigos, em uma brincadeira, chegaram a criar uma lista de quem morreria primeiro e o nome do Galego abria a relação. Aos poucos foram furando a fila, ficando o Galego por último, indo encontrá-los aos 86 anos em 2011. Lembro-me de uma visita que fizemos ao sargento Paulo que mudou-se para Zona Norte. Lá, embaixo de um pé de carambola e bebendo cachaça, ouvi do sargento: “Galego, eu ainda estou vivo porque vim pra longe de você” e caiu na gargalhada.

                Há muitas histórias sobre o Galego na memória do bairro. Tinha alguns hábitos, entre eles, tomava a primeira dose ao meio dia, caso não tivesse vendido ainda, jogava uma moeda na gaveta e dizia “Descolei!”. Quando era questionado porque bebia, citava energicamente as letras “BPPTTC” e dizia “Bebo porque posso, tenho tempo e condições”.

                Inicialmente, seu Galego batizou o bar com o nome de “Caverna dos Brutos”. Assim era conhecido pelos velhos amigos. Talvez revelasse aquele grupo de homens de profissões humildes que vieram morar com suas famílias num lugar sem transporte, com ruas de areia, sem água e sem atendimento de saúde. O tempo e a partida dos amigos apagaram a caverna e a presença constante do Galego foi sendo assimilada pela nova clientela que foi mudando com o crescimento do bairro, surgiu o Bar do Galego. 


 


                O bar hoje é de uso estritamente familiar. Ficou num pequeno espaço entre a minha antiga casa, hoje loja CURTE CAR do meu filho Thiago, e a casa da minha irmã Telma.  Nos finais de semana, meu cunhado Erivaldo reúne um grupo de amigos e comemora a vida. A cena remete a eterna presença do Galego. Quando não viajo para Monte Alegre, marco presença. Outros bares antigos sumiram e só existem na memória de antigos frequentadores. O Bar do Galego permanece, na Adolfo Gordo, embaixo da grande árvore e em nós.

8 comentários:

  1. Que maravilha de depoimento, maravilhosas recordacoes, ainda cheguei a tomar umazinha nele. abracos fraternos primo;.

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  2. Belíssima lembrança ! Muito bom registrar estas passagens para permanecer viva na vida de todos que não tiveram o privilégio de conhecer. Parabéns e um abraço para toda família

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  3. Belíssima lembrança ! Muito bom registrar estas passagens para permanecer viva na vida de todos que não tiveram o privilégio de conhecer. Parabéns e um abraço para toda família

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  4. Excelente, como sempre, este texto que me fez ver, sem nunca ter visto, o Sr Galego e seu bar, os frequentadores e o nobre Amigo Janilson a Perpetuar seu genitor.e meu nobre Amigo Janilson deixar pra ir

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  5. Só poderia esperar de um Escritor e Poeta, um texto tão bonito, e verdadeiro. Orgulho do tio Galego e do
    Primo Janilson poeta.

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  6. Professor Janilson,
    Como contemporâneo não posso
    deixar de registar que, embora não tenha sido um assiduo frequentador desse saudoso ( inesquecìvel e importante) reduto de "intelectuais", trago vivo na minha memória todo o cenário descrito nessa crônica o que me faz viajar no tempo e reviver esse pedaço de história do
    nosso querido bairro cujos momentos, se não ficaram registrados em fotos, está claro que ficaram no coração, concordando com um poeta anônimo que fez a seguinte citação: " Quando o passado valeu a pena ele estará sempre presente". É isso. Abraços.

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